terça-feira, 31 de maio de 2011

parece

parece

Parece que o “no trânsito somos todos pedestres” tem funcionado tanto quanto o “aprecie com moderação”. Todo mundo achando que tem a preferência.

acidente

acidente

Acidente. Eram dois carros, um deles, com dois homens, um casal.
O policial, para a moça e o rapaz do outro carro:
- Quando o pavão quer dar seu show, tem que deixar, para depois fazer o que deve ser feito. Isso aqui não é caso para a Polícia Militar resolver não, deviam era ter chamado o Ibama para dar um jeito nessas bichas aí. Chamassem veterinário para cuidar dos veados.
E seguiram com outras pérolas nesse combo de preconceito duplo. De um lado, a violência já cotidiana contra quem é diferente, dentro da própria espécie. De outro, penso no que diria a Megan...

- Fuckin' animal!
Megan lançou a Diogo um olhar de lâminas. Ele acabava de cometer o erro de sempre. Tinha chamado de animal um motorista infrator. Megan fez uma marca no bloquinho:
- Mais um ponto para mim.
- Desculpe, Megan, animal não é insulto, eu sei. Mas na pressa de xingar, a gente não consegue escolher o vocabulário certo e acaba usando o reacionário.
Megan suavizou a censura dos olhos, apertou-os no sorriso de namorada. Ela entendia. A maioria das pessoas demora para aprender coisas novas. E Diogo ainda tinha de trabalhar dobrado: falar inglês e evitar a linguagem especista ao mesmo tempo.
Rheda, Regina. Humana Festa - Rio de Janeiro: Record, 2008

morro

morro

- Morro de dó delas, não consigo ver matar.
Uma hora antes de comer nuggets de frango.
- Tem que ser muito sádico para trabalhar com isso. Já viu o que eles fazem nesses matadouros?
20 minutos antes do sanduíche de pernil.
- Concordo com eles. É mesmo absurda a forma como a carne é produzida hoje. O certo seria comer só o que caçamos, como faziam lá nas cavernas.
Meia hora antes do bifinho que veio de um boi criado e morto como todos os outros.
- Mas você não acha que Deus criou os animaizinhos para nos servir?
Depois que não funcionou falar da dor dos pés de alface, de quem adorava dizer que era ateu, mesmo quando fora de qualquer contexto. Seria repetitivo contar o que fez logo depois.

Nessas situações, fica impossível para a memória não trazer nitidamente aquela cena de Hannibal em que Lecter prepara e o oficial Krendler saboreia seu próprio cérebro, fritinho com manteiga e ervas.
Será só gosto o que torna tão difícil perceber? O que é que tem esse poder tão grande de anestesiar o entendimento?