sábado, 24 de fevereiro de 2018

saudade

saudade

Saudade da Amy.
Da sua história, queria saber só do puta talento, da alma sensível, das risadas, dos arrepios que já me causou... Mas não.
Concordo com quem diz que o álcool, ou seja lá o quê, não pararia sozinho coração.
Botar tudo na conta de uma substância e não falar sobre como é que se dá a relação com a comida, com nossos corpos, com ganância e misoginia, soa absurdo.
Pelos sentimentos que vazam em sua poesia, voz e música, parece que o que a consumiu tinha a ver com tentar preencher um vazio, ou silenciar um barulho que atrapalhava por dentro.
É cortante esperar amor e receber julgamento.
E nessa situação, parecia impossível mesmo aguentar o baque de estar em um furacão de holofotes, revistas, interesses e relacionamentos com homens (seja pai, marido ou produtor).
Ela adoeceu e quase ninguém ligou pra saúde dela. O que tinha era muita gente pra apontar, comentar, fazer piada, ou ainda correr pra ganhar um dinheiro com ela enquanto dava.
Ela estava indo embora e só se comentava sobre suas tentativas de abstrair, riam do estrago, de peitos. Não precisa ser criança pra sucumbir a isso.
Fez cirurgia pra botar silicone, e pouco depois a vida, do corpo, foi.
Eu sinto muito, Amy.
A paz que queria pra você, era pra ser de todo mundo.

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Patriarchy, male entitlement, & capitalist greed killed Amy Winehouse, not boozing

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"Janis Joplin, uma cantora de blues da década de 60, é um bom exemplo de uma mulher braba cujos instintos se viram prejudicados por forças alquebradoras do espírito. Sua vida criativa, sua curiosidade inocente, seu amor pela vida, sua atitude irreverente para com o mundo durante os anos do seu crescimento eram impiedosamente criticados pelos seus mestres e por muitos dos que a cercavam na comunidade batista de meninas brancas "bem-comportadas", no sul dos Estados Unidos. Embora fosse excelente aluna e pintora talentosa, era repudiada pelas outras meninas por não usar maquiagem e pela vizinhança por ouvir jazz e gostar de escalar uma formação rochosa fora da cidade para ficar lá cantando com seus amigos. Quando afinal fugiu para o mundo dos blues, era uma pessoa tão carente que não sabia mais dizer quando era a hora de parar. 
[...]
Há algo em Bessie Smith, Anne Sexton, Edith Piaf, Marilyn Monroe e Judy Garland que apresenta o mesmo padrão de instintos prejudicados pela fome da alma: a tentativa de "se ajustar", a tendência à intemperança, a impossibilidade de parar. Poderíamos trazer uma longa relação de mulheres talentosas de instintos feridos que, num estado de vulnerabilidade, fizeram escolhas infelizes. Como a criança da história, todas elas perderam seus sapatos feitos à mão em algum ponto do caminho e de algum modo chegaram aos perigosos sapatinhos vermelhos. Todas elas estavam cheias de mágoa por ansiarem por alimento para o espírito, por histórias para a alma, por vaguear naturalmente por aí, por enfeites que se adequassem às suas próprias necessidades, pelo aprendizado de Deus e por uma sexualidade simples e sã. No entanto, distraídas, elas escolheram os sapatos amaldiçoados — crenças, atos, idéias que fizeram com que sua vida se deteriorasse cada vez mais — que as transformaram em espectros a dançar loucamente. Não se pode subestimar o dano causado aos instintos como raiz do problema quando as mulheres parecem estar loucas, são possuídas por uma obsessão ou quando estão presas a modelos menos maléficos mas, ainda assim, destrutivos. A recuperação do instinto ferido começa com o reconhecimento de que a captura ocorreu, de que uma fome da alma se seguiu, de que os limites normais de insight e proteção foram perturbados. É preciso reverter o processo que causou a captura da mulher e a conseqüente fome.
[...]
Janis Joplin começou também a realizar os desejos selvagens de outras pessoas. Ela assumiu uma presença arquetípica que os outros não tinham coragem suficiente para assumir. Eles aplaudiam nela a rebeldia como se ela pudesse libertá-los sendo selvagem no lugar deles. Janis fez mais uma tentativa de se adequar antes de começar seu longo mergulho no comportamento obsessivo. Ela se juntou às fileiras de outras mulheres vigorosas, porém feridas, que se descobriram funcionando como xamãs para as massas. Elas, também, ficaram exaustas e caíram dos céus. Frances Farmer, Billie Holiday, Anne Sexton, Sylvia Plath, Sara Teasdale, Judy Garland, Bessie Smith, Edith Piaf e Frida Kahlo — é triste que a vida das nossas figuras-modelos de mulheres selvagens e artísticas preferidas tenha terminado de forma trágica e prematura. Uma mulher braba não tem força suficiente para assumir, no lugar de todo mundo, um arquétipo extremamente almejado sem entrar em colapso. A mulher braba está em processo de cura. Não costumamos pedir a um convalescente que carregue um piano escada acima. A mulher que está voltando precisa ter tempo para se fortalecer." (Clarissa, no Mulheres que correm com lobos)

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